Previsão mista
Os céus brilham para as economias avançadas, mas os mercados emergentes enfrentam desafios adicionais pós-Covid.
04 DE OUTUBRO DE 2021 | AUTOR: TIZIANA BARGHINI
TRADUÇÃO: TELMO FERREIRA – TRADUTOR NAATI
Única, por diversas razões, a crise económica gerada pela pandemia ainda não terminou. Apesar de uma acentuada recuperação, na China e nos Estados Unidos, e do progresso alcançado com as vacinas, a pandemia continua a lançar uma sombra cinzenta sobre a economia global – e parece que o céu vai permanecer cinzento durante algum tempo.
“A minha principal preocupação é a de que a pandemia ainda não acabou. Acho que as pessoas estão a subvalorizar os riscos envolvidos”, refere Marcel Fratzsher, o presidente do DIW – Instituto de investigação económica de Berlim – à Global Finance. “Na Alemanha e noutras partes da Europa, existe a ideia de que a pandemia irá terminar em breve. Esta é uma perigosa ilusão.”
Apoiado por uma larga maioria governamental e política monetária muito pouco rigorosa, o PIB nos EUA e na China estava a recuar fortemente no final de 2020. Esse crescimento irá ajudar a impulsionar um salto global de 6%, em 2021, seguido por outra expansão de quase 5% em 2022, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. De forma algo surpreendente, a produtividade aumentou.
Claro, as previsões variam bastante em todo o mundo, devido aos diferentes movimentos políticos, às condições socioambientais e à exposição às variáveis. “Existe um relançamento global, mas ainda se trata de uma recuperação muito desigual”, refere Elena Duggar, presidente do Conselho Macroeconómico da Moody’s. “Os ritmos de vacinação e de gestão da pandemia são o motor da recuperação económica”.
Duggar acrescenta que, enquanto os países do G20 esperam alcançar um limiar de 70% de população vacinada, no final de 2021, alguns países menos desenvolvidos, muitos deles em África não atingirão esse nível de vacinação antes do final de 2023. “Esta é uma pandemia global”, refere Duggar. “Até estar controlada em todo o mundo, iremos continuar a ter mais variantes e novas ondas pandémicas”.
Mesmo naqueles locais onde a economia é relativamente forte, tal como os E.U.A., o surgimento de novas variantes e a resistência da população às vacinas estão a impedir um regresso em pleno à escola e ao trabalho, que muitos esperavam que acontecesse em setembro. Em vez disso, esse mês assistiu a uma suavização macroeconómica, em países onde a recuperação havia chegado primeiro, incluindo um abrandamento na criação de empregos. “Eu penso que as pessoas estão a subestimar os riscos”, refere Fratzscher.
É difícil dizer quanto tempo irá durar o Covid e se irá tornar-se mais contagioso, menos contagioso ou desaparecer totalmente. “Eu sou um economista, não um epidemiologista”, refere Tim Kehoe, professor de economia na Universidade do Minnesota. “O que eu efetivamente sei é que a incerteza alterou completamente a situação, nos últimos três meses, e que a variante Delta atenuou as projeções. É possível que o quarto trimestre de 2021 não venha a ser tão bom como esperávamos.” Por outro lado, acrescenta que “isso significa que 2022 pode ser ainda melhor”.
Surpresa ao nível da produtividade
Paradoxalmente, apesar dos confinamentos, a produtividade aumentou durante a Covid-19. Após uma média de apenas 1,3%, desde 2006, cerca de metade do crescimento verificado na década anterior, a produtividade aumentou 4,3% no primeiro trimestre de 2021, recuando para 2,1% no segundo trimestre, de acordo com Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA[1].
Parte da melhoria pode atribuir-se à interrupção do trabalho de baixa produtividade nas indústrias de prestação de serviços, mas, mais importante (a longo prazo), as exigências de distanciamento social motivaram as empresas a acelerarem no investimento em tecnologia digital, ao mesmo tempo que os seus funcionários e consumidores aumentavam a adesão à referida tecnologia. Irá esta combinação desencadear um novo potencial? “A mudança digital começou antes da pandemia, mas esta deu-lhe um grande impulsionamento”, refere Duggar. “É ainda uma questão em aberto, qual o efeito do aumento da digitalização da economia: se esta irá, ou não, possibilitar um aumento de produtividade.”
Alguns sinais indicam uma oportunidade. Um estudo mais abrangente, com cerca de 50.000 cidadãos Americanos, realizado pelos economistas Jose Maria Barrero, Nicholas Boom e Steven J. Davis, mostra que o trabalho remoto é capaz de surtir efeito nas empresas de maior dimensão, no período pós-pandemia, pelo menos alguns dias por semana, porque – contrariamente às expectativas da maioria das pessoas – é um impulsionador de fundo. “40% das pessoas com quem falámos referiram ser mais produtivas em casa do que no local de trabalho”, refere Barrero, professor de finanças na Faculdade de Gestão do México[2]. “E eles parecem gostar disso.”
“O primeiro, e imediato, fator é o valor do tempo e do esforço, formalmente despendidos nas deslocações entre a residência e o local de trabalho. Alguns empregados redistribuem esse tempo pelas tarefas profissionais, prolongando o seu dia de trabalho. Alguns consideram que o tempo extra lhe dá mais energia e foco, para o seu desempenho profissional. A grande maioria dos inquiridos – cerca de 75% – referem que se tornam mais eficientes, por não terem que deslocar-se”, refere Barrero.
Poucos concordam que as condições de trabalho isolado são as ideais. “A dúvida que muitos economistas têm é a de que todos sabemos que as pessoas aprendem a trabalhar com os seus colegas de trabalho”, refere Kehoe. O ritmo sem precedentes das mudanças ao nível tecnológico – a robótica, a IA [Inteligência Artificial] e outras ferramentas digitais transformaram várias indústrias – fazem com que isso seja ainda mais importante, a fim de explorar plenamente o potencial da tecnologia. “Quando começam a introduzir-se novas tecnologias, primeiramente a produtividade baixa, pois as pessoas têm que aprender a trabalhar com elas; mas, posteriormente, a produtividade acaba por aumentar”, refere Kehoe. Tendo em conta os vários avanços, ao nível das comunicações digitais e da IA, implementados sob condições de trabalho remoto, ele acrescenta “Podemos ainda não ter assistido ao aumento exponencial da produtividade”.
Estas considerações levam Barrero, e outros economistas, a apoiar um modelo híbrido, segundo o qual os trabalhadores estão alguns dias no local de trabalho e alguns dias em casa, como a melhor solução, a longo prazo. Isto liberta algum valor do tempo de deslocação, assegurando ao mesmo tempo que os colegas têm interações regulares presenciais e oportunidades de aprender uns com os outros.
O Espaço da Política
Para os meses que se seguem, a recuperação económica irregular, a várias velocidades e incerta, no mundo inteiro, irá manter as autoridades fiscais e monetárias com os pés assentes no chão. Os planos de gastos do governo liberal e taxas de juro baixas recorde, irão, provavelmente, manter-se por mais tempo – pelo menos, nos países mais ricos, os quais podem suportar melhor a acumulação de dívida futura e o aumento dos riscos de inflação.
“Os países ainda enfrentam dificuldades prolongadas com a pandemia, riscos de uma contração nas condições gerais de financiamento e na acumulação de dívida pública e privada”, refere Roberto Campos Neto, Governador do Banco Central do Brasil, em declarações à Global Finance. “Todos estes fatores afetam, de modo especial, as economias emergentes, incluindo o Brasil”. Desde março, vários bancos centrais da América do Sul – nomeadamente, do Brasil, México e Peru – têm vindo a aumentar as taxas de juro para contrariar o aumento da inflação, e mais aumentos de taxas são esperados.
Como resultado da pandemia, o nível da dívida pública subiu para níveis nunca antes vistos, criando um elemento de instabilidade, o qual irá, muito provavelmente, afetar (em primeiro lugar) as economias emergentes e os países pobres. “Nós preocupamo-nos, efetivamente, com a dívida”, afirma Elena Duggar, da Moody’s. “Tanto nos países desenvolvidos como nas economias emergentes, ela está a atingir níveis sem precedentes. Estamos já acima dos valores máximos, verificados após a Segunda Guerra Mundial, nas economias desenvolvidas.” Além disso, acrescenta, “A acumulação de dívida é muito ampla, nas economias desenvolvidas e nos mercados emergentes, ao nível dos governos e das empresas.”
Não obstante, refere, com as taxas de juros ainda em valores mínimos históricos, a capacidade de liquidação do valor da dívida, nas economias avançadas, continua a ser forte. A maior parte dos riscos encontram-se nas economias do países da zona das Caraíbas e do Continente Africano, segundo Duggar, “maioritariamente nos mercados emergentes mais pequenos, do que nos de maior dimensão”.
Os Bancos Centrais, tais como a Reserva Federal dos EUA, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Canadá – com registos mais longos e mais credíveis de combate à inflação – são mais propensos a atrasar a política de aperto, especialmente perante devido a uma maior incerteza do lado da oferta. A Reserva Federal dos EUA assinalou alguma limitação aos valores das taxas de juro, no final de 2021, seguido de um primeiro aumento, na segunda metade do ano de 2022. Para a Europa, onde o valor da inflação tem sido mais baixo do que o limite estabelecido pelo BCE, não são esperadas restrições até 2024, apesar da crescente pressão dos preços e dos estrangulamentos na produção. Uma declaração parlamentar da UE, de meados de setembro, via os recentes aumentos de inflação como largamente transitórios, enquanto reconhecia um leque de potenciais riscos no horizonte.
“O objetivo para nós é que a ideia, fundamental, de recuperação se mantenha intacta. Temos tido respostas políticas extremamente fortes a esta pandemia; e, por causa disso, os motores da procura, principalmente o rendimento, parece provável que se mantenham fortes”, refere Andrew Schneider, um economista Norte-Americano no BNP Paribas. “Enquanto, a curto prazo, consideramos que as cadeias de fornecimento irão impactar no crescimento, pensamos que iremos assistir a uma libertação do abastecimento reprimido, pensamos que acabaremos por ver este défice de crescimento, a curto prazo, ser recuperado.”
Consequentemente, os riscos inflacionários comportam novos problemas aos decisores políticos. “É um contexto mais desafiante para os bancos centrais, e existe uma variação entre as reações, por parte dos diferentes bancos centrais.
Os bancos centrais das economias desenvolvidas vem de um longo período de inflação baixa. No curto prazo, as suas prioridades continuarão a ser a estabilização da produção na economia, em vez de combater a inflação”, acrescenta Schneider. “Para os bancos centrais das economias emergentes, contudo, a falta de credibilidade (em matéria de inflação) significa que o endurecimento das políticas é a resposta mais provável.
Muitos economistas consideram que o pico atual da inflação americana – esta Primavera e Verão estava a aumentar ao ritmo mais rápido em 13 anos – parecendo atingir o pico em Agosto, de acordo com a Reuters, ligado a ruturas da cadeia de abastecimento devido à pandemia. Uma variedade de mercadorias, tais como petróleo e madeira, viram os seus preços saltar acentuadamente, devido a estrangulamentos na produção ou distribuição. O custo da maionese disparou porque o seu principal ingrediente, o óleo de soja, quase duplicou nos últimos 12 meses. Isto não significa que o preço da maionese continue a subir.
“Existem diferentes tipos de inflação; e, ou são de natureza aritmética, ou relacionados com a reabertura ou com a pandemia”, refere Simon MacAdam, economista sénior global da Capital Economics, em Londres. “Ao longo do tempo, estas perturbações podem atenuar, e a cadeia de fornecimento e a oferta pode recuar para satisfazer a procura”.
Planos massivos de despesa pública – para infraestruturas, nos EUA, e o Plano de Recuperação e Resiliência (NextGenerationEU) na Europa – devem conferir um grande motor para o crescimento. Isto irá, essencialmente, depender do modo como o dinheiro for gasto.
“Penso que a maior oportunidade de investimento de retorno para os EUA, neste momento, é um grande Plano Marshall para a contenção da COVID“, disse o economista e antigo Secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, numa entrevista, em Setembro. “Para além do caso moral… ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo, devido a mutações. Há ainda mais considerações que não há melhor maneira de conseguirmos a boa vontade internacional, contrastando-nos favoravelmente com a China, ou assegurar que o mundo está pronto para as próximas pandemias que certamente virão“.
© 2021
Global Finance Magazine
Fonte:
https://www.gfmag.com/magazine/october-2021/post-covid-economic-growth
[1] Designação, em Inglês (EUA): US Bureau of Labor Statistics
[2] Designação, em Inglês (EUA): Mexico Business School
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