Carta dirigida à próxima geração: Um compromisso renovado para com uma cooperação económica, a nível global Publicado no LinkedIN, em 11 de junho de 2019 Christine Lagarde (Anterior Diretora Geral do FMI) / (Tradução EN-PT: Telmo Ferreira – Tradutor Acreditado NAATI)

Caros Amigos: Gostaria de partilhar convosco um pouco da nossa história e alguns pensamentos acerca do futuro – o vosso futuro! Há setenta e cinco anos atrás, delegados de mais de 40 países, reuniram-se para alcançar um acordo relativamente às novas regras para a economia global. Estávamos num Verão quente, por isso decidiram reunir-se nas montanhas frescas de New Hampshire, no empreendimento Bretton Woods. Muitos vinham de países que ainda sofriam devido aos conflitos da II Guerra Mundial.

Eles comprometeram-se a evitar os erros que conduziram àquele terrível conflito. No período anterior à guerra, em vez de trabalharem em conjunto, os países haviam desenvolvido políticas económicas protecionistas, as quais só agravaram os efeitos da Grande Depressão. Os resultados foram desemprego e fome generalizada. Estavam plantadas as sementes para o autoritarismo, a agressão e a guerra.

Bretton Woods lançou uma nova era de cooperação económica global, na qual os países se ajudavam a si próprios, ajudando os outros. Eles pretenderam provar que a solidariedade era um interesse pessoal. Os delegados criaram o Fundo Monetário Internacional, encarregando-o de três missões cruciais: promover a cooperação monetária internacional, apoiar a expansão do comércio e o crescimento económico, e desencorajar políticas que colocassem em causa a prosperidade.

Desde então, a economia mundial tem vindo a modificar-se, em aspetos fundamentais. Ao longo dos seus 75 anos de história, o FMI tem vindo a adaptar-se a essas mudanças, enquanto procura manter-se fiel à sua missão. Hoje, continua a servir os seus membros – os quais agora totalizam 189 – com “carteira, cérebro e coração”: disponibilizando políticas de aconselhamento de alta qualidade, assistência técnica e formação, para reforçar as instituições e a sua capacidade de resposta; disponibilizando apoio financeiro e espaço de manobra a países em crise, enquanto estes dão os passos necessários, em matéria de criação de políticas; e elaborar melhores políticas, visando  melhorar a vida das pessoas.

Conseguiram os delegados ter sucesso quantos aos seus objetivos? Efetivamente, sim. Hoje, a maioria das pessoas vive mais tempo, de modo mais saudável e com uma vida melhor. Os países negociam mais entre eles, o que os ajuda a crescer mais rápido, cria mais empregos e aumenta os rendimentos. Em países com baixos rendimentos o comércio tem vindo a reduzir o custo de vida de uma família típica em 2/3, e, em economias avançadas, em 1/4. E, em termos globais, mais de mil milhões de pessoas abandonaram a situação de pobreza.

Ao mesmo tempo, demasiadas pessoas sofrem ainda de pobreza e falta de oportunidades. Os mais novos estão entre os mais desfavorecidos. Vários países de baixo rendimento, irão continuar a batalhar arduamente, para atingir os seus objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030, privando as novas gerações de alcançarem o sucesso pelos seus próprios meios. A pobreza, a desigualdade crescente e as novas tecnologias têm vindo a despoletar a raiva e o ressentimento. A corrupção tem levado a uma perda de confiança nas instituições.

Todas estas mudanças têm vindo a alimentar sentimentos que dão origem a abordagens unilaterais e independentes. A História tem vindo a alertar-nos de que este é um caminho ruinoso. Pode conduzir a uma “Era de Raiva”, durante a qual a confiança e a cooperação internacional podem ser quebradas – como aconteceu após a Grande Depressão.

Criar oportunidade

Eu não acredito, contudo, que este cenário catastrófico seja inevitável. Pelo contrário, eu acredito que todos nós temos a responsabilidade de fazer surgir uma “Era de Engenhosidade” e precisamos de ter a coragem de a construir. Automóveis, casas e fábricas que possam ser alimentados por fontes de energia renováveis.

Que as mulheres podem ter as mesmas oportunidades e os mesmos salários que os homens. A inovação – as vossas invenções – podem criar melhores oportunidades para todos.

Como é que transformamos esta visão em realidade?

Em parte, a resposta reside no que eu chamo de “novo multilateralismo”. Poder-se-á também chamar-lhe senso comum. Significa garantir que a oportunidade económica é partilhada de modo mais amplo, de modo a que os jovens de todo mundo tenham a hipótese de alcançar o sucesso e contribuir para a sociedade. Significa garantir que os governos e as instituições trabalham para o bem comum. No fundo, trata-se dos países cooperarem, visando ultrapassar desafios globais.

O que é que necessita de ser mudado?

Primeiro, e principalmente, os políticos devem criar, em cada país, as condições para as pessoas poderem alcançar o sucesso. Neste campo, a política fiscal é crucial para criar oportunidades mais amplas, através do acesso a uma educação de qualidade, cuidados de saúde e infraestruturas – especialmente para aqueles que foram abandonados. Em muitos países, isto significa prestar especial atenção aos jovens e às mulheres.

Isso também inclui combater a desigualdade excessiva. Aqui, novamente, a política fiscal pode ter um papel crucial, incluindo a introdução de medidas fiscais progressivas, que são próprias do país, e redes de segurança social mais fortes, que possam ajudar a ultrapassar o problema dos deslocados, provocados por mudanças tecnológicas e pela globalização. Os bancos centrais devem proteger-se contra a inflação – o pior imposto sobre os mais pobres. E os reguladores devem proteger a população, contra aquele tipo de acesso financeiro, o qual conduziu àquela crise financeira global debilitante, há 10 anos atrás.

Este tipo de ação política pode ajudar a construir a segurança e a confiança – e a ultrapassar a percepção de uma partilha injusta dos benefícios económicos.

A nível internacional, necessitamos de criar um jogo mais nivelado, além-fronteiras. Aqui o comércio ganha maiores dimensões. Sabemos que, ao longo de muitas décadas, a abertura das fronteiras ao comércio disseminou novas tecnologias, acelerou a produtividade e criou milhões de novas profissões, com salários mais altos. Ao mesmo tempo, sabemos que nem toda a gente saiu beneficiada – que existem distorções no sistema comercial e que este necessita de ser reformulado.

A tributação internacional é outro desafio. Devemos assegurar-nos de que as empresas multinacionais pagam a sua quota-parte de impostos. Sem reformas, ao nível da taxação das empresas multinacionais, os países podem ser privados da sua parte da receita fiscal, da qual precisam para financiar investimentos essenciais, em pessoal e infraestruturas.

Estes são alguns dos desafios que eu antevejo. E existem outros dois que vocês, a próxima geração, trouxeram à atenção do mundo.

Refiro-me, aqui, às alterações climáticas, as quais colocam em causa o futuro próximo do nosso planeta. Puderam aperceber-se do impacto do crescimento, em primeira mão, desde os fogos selvagens na Califórnia às tempestades tropicais em Moçambique.  E, certamente, reconhecem que políticas económicas mais ecológicas podem ajudar a ultrapassar essa ameaça real. Colocando as coisas de outro modo, se não tiverem um plano para o ambiente, não terão um plano para a economia.

O outro assunto, nas mentes da geração mais jovem, é a corrupção. Vocês veem-na como injusta, e com razão. O custo anual global do suborno, por si só, chega a cerca de 1,5 a 2 triliões de dólares. E isso não tem em conta o efeito corrosivo da corrupção na sociedade. Devemos procurar a cura para o cancro da corrupção, se quisermos construir uma economia mais justa e mais forte.

Discursando na conferência original de Bretton Woods, o Secretário de Estado do Tesouro dos EUA, Henry Morgenthau Jr., disse:

A prosperidade não tem limites fixos… A prosperidade, tal como a paz, é indivisível. Não podemos dar-nos ao luxo de espalhá-la aqui ou ali, entre os afortunados, ou tirar proveito dela à custa dos outros.

Passados 75 anos, a lista dos desafios parece assustadora. Mas não mais assustadora do que a lista abordada pelos delegados, quando eles se reuniram em New Hampshire. Acredito que chegou a hora de renovar o nosso compromisso para com a cooperação económica global, para que possamos alcançar uma maior prosperidade – não apenas para os, poucos, afortunados, mas para todos.

 

Atenciosamente,

Christine Lagarde

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to top