Foto: Henrique Araújo, Juiz Conselheiro e Presidente do STJ
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Agência Lusa
3 novembro 2023
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“A justiça não é uma prioridade para o poder político. (…) não vejo que haja, por parte dos responsáveis políticos, a vontade de alterar alguma coisa”, afirmou o juiz conselheiro e Presidente do STJ, em entrevista ao jornal Nascer do Sol, publicado esta sexta-feira.
Entre os problemas para os quais defende mudanças na legislação, Henrique Araújo apontou aos megaprocessos e às leis processuais, onde sublinhou haver “imenso trabalho para fazer”; ao fim do efeito suspensivo das decisões judiciais nos recursos para o Tribunal Constitucional, que defendeu ser “facílimo de alterar”; e, sobretudo, ao combate à corrupção, que disse estar instalada no país, começando pela criação do crime de enriquecimento ilícito.
“Seria um bom instrumento para combater o fenómeno da corrupção que está instalada em Portugal e que tem uma expressão muito forte na administração pública. Isto não é uma simples perceção, é uma certeza”, referiu o Presidente do STJ, continuando: “Sabemos que os casos de corrupção têm aumentado e, apesar de a investigação deste tipo de criminalidade ter aumentado, os resultados ficam muito aquém daquilo que se sabe que existe”.
Apesar de admitir ter uma “relação institucional excelente” com a Ministra da Justiça, notou que Catarina Sarmento e Castro não conseguiu ainda executar as mudanças necessárias ou dar atenção às propostas de alteração apresentadas.
“É uma pessoa de diálogo, tem vontade de alterar a situação e quer resolver os problemas. Mas sinto que há algo que a transcende e que poderá estar a impedi-la de levar a cabo algumas das coisas que gostaria”, observou.
Reconhecendo que, apesar de alguns alertas feitos ao longo do tempo, “nada” de significativo mudou na justiça desde que assumiu a Presidência do STJ (há cerca de dois anos e meio), Henrique Araújo vincou também a necessidade de consagrar a separação entre o poder judicial e o poder político, através de uma verdadeira autonomia financeira, a ser levada a cabo pelo Conselho Superior de Magistratura (CSM).
“Quem fornece os meios aos tribunais é o Ministério da Justiça e isto está errado. Tudo deveria estar concentrado no CSM. O orçamento de Estado deveria atribuir ao CSM uma verba, que este deveria poder supervisionar. Só assim é que se pode falar em completa separação de poderes”, destacou.
Por último, o magistrado deixou também reparos à lei da amnistia por causa da vinda do Papa Francisco a Portugal, nomeadamente na questão das infrações disciplinares a penas de suspensão, como ocorreu entre os juízes, com o CSM a arquivar nove casos de infrações graves e muito graves. “Esta lei, ao amnistiá-los, apagando essas infrações, está a dar um péssimo sinal à sociedade”, sentenciou.